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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

9 de out. de 2009

Antonioni na Babilônia (I)


“(...) O eixo mais
importante do filme
é sua justaposição
entre realidade e imaginação
(...)”

Michelangelo Antonioni
sobre Zabriskie Point (1)


A Narrativa

Mark acompanha as discussões de uma reunião de universitários revolucionários norte-americanos em 1968. A certa altura, o grupo chega a conclusão que todos devem levar seus atos políticos as últimas conseqüências. Todos então ficam esperando que o outro assuma os riscos. Mark se levanta e acaba indo embora, fazendo comentários desdenhosos sobre gente que fica teorizando. Tempos depois, durante uma manifestação, Mark vê um policial matar um estudante negro e saca seu revolver. No mesmo instante, o policial leva um tiro disparado por outro. Mark foge e é acusado da morte do policial. Ele rouba um avião voa para o deserto. Descendo a estrada está Daria, seguindo para a mansão de seu patrão no deserto. Ele é empreendedor imobiliário e planeja construir um grande balneário. Mark fica sem gasolina e Daria se dispõe a ajudá-lo. Acabam transando no deserto, numa região chamada Zabriskie Point - ponto mais baixo dos Estados Unidos e se localiza no Vale da Morte, num deserto na Califórnia. Ele resolve devolver o avião (imagem acima). Ao chegar, é morto por um policial. Daria escuta a notícia pelo rádio do carro. Ela chega à casa do patrão, mas não consegue ficar, está abalada com a morte de Mark. Na cena final, imagina explodindo. Quando volta do sonho acordada, sorri, entra no carro e vai embora.

Que Lugar é Esse?

Zabriskie Point é um filme sobre a América.
A América é o verdadeiro protagonista do filme.
Os personagens são
apenas um pretexto” (2)

Michelangelo
Antonioni


A história de Zabriskie Point (1970) começa em 1967, quando o famoso produtor Carlo Ponti pergunta a Michelangelo Antonioni por que não vai rodar um filme no Japão, onde ele era então o mais conhecido dos cineastas ocidentais. Na viagem, Antonioni passou pelos Estados Unidos, que lhe casou uma impressão mais profunda do que o país do sol nascente. Viajou por lá e conheceu o país, no que chamou de “experiência muito enriquecedora”. Afirmou inclusive que naquela época era o país mais interessante para se conhecer.

(...) Um lugar onde
se podem isolar em
estado puro algumas
das verdades essenciais
sobre as contradições
de nosso tempo (...) (3)

Antonioni sobre
os Estados Unidos

Antonioni já havia estado lá em 1961, quando foi para a estréia de A Aventura (L’avventura, 1960) naquele país. Disse que gostou do sentimento de liberdade por lá, até mesmo no sentido físico do termo – comentário compreensível para um italiano que passou tempo demais sufocando sob as botas de Mussolini. Ou seja, não houve choque nenhum da parte dele. De sua visita em 1967, Antonioni fez algumas notas que levou quando voltou para os Estados Unidos com a intenção de fazer um filme. Era um roteiro bastante diferente de Zabriskie Point, mas então algo aconteceu.

Antonioni estava em Chicago no verão de 1968 quando presenciou a Guarda Nacional agredindo alguns jovens que estavam se manifestando em frente ao prédio onde se realizava a Convenção do Partido Democrático. Tudo mudou radicalmente na cabeça de Antonioni, que entrou em contato com essa juventude e reescreveu o roteiro até que o resultado final era totalmente diferente da idéia original. Ele admitiu que tivesse reservas em relação a essa mudança, mas não podia deixar de fazer um filme por questões práticas (4).

A estória de Zabriskie Point se cristaliza em função de outro episódio envolvendo a juventude. No deserto do Estado do Arizona um hippie alugou um pequeno avião e pintou com flores e slogans sobre o amor, a morte e a paz e depois desapareceu com ele (5). Antonioni escolhe dois atores não-profissionais para os papéis principais – talvez porque eram genuínos representantes daquele mundo, ou talvez pelas raízes neo-realistas de Antonioni, ou mesmo pelos dois motivos. Perguntado pelos produtores porque o filme estava ficando tão caro, Antonioni devolve a pergunta e faz um comentário sobre o excesso de tudo como um traço da sociedade norte-americana (6).

Zabriskie Point representará
para mim um engajamento moral e
político mais evidente que o de meus filmes anteriores. Quero dizer que não deixarei o público livre para tirar suas conclusões, mas que procurarei comunicar-lhe as minhas. Acredito
que o momento chegou para dizer
abertamente as coisas” (7)

Apesar da simpatia de Antonioni em relação aos jovens radicais californianos, sua recepção foi difícil entre eles. Afinal de contas, Antonioni era contratado da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), então ele representava o as instituições contra as quais eles lutavam. Com esforços e através de muitas reuniões, Antonioni foi aceito pelos Estudantes para uma Sociedade Democrática. As cenas iniciais de Zabriskie Point, filmadas no estilo documentário, procuravam dar conta desse clima de reivindicação entre os estudantes.

Comparando os movimentos de estudantes europeus e norte-americanos, Antonioni diz que os últimos eram diferentes porque são muitos grupos diferentes e eles estavam menos unidos. Eles ainda não conseguiam trabalhar juntos, afirmou o cineasta. Os Estados Unidos é muito grande e muito contraditório para que eles conseguissem se unir, Antonioni insiste. Ele explicou que, quando algo acontecia em Paris, acontecia na França. Assim sucessivamente para Roma em relação a Itália, ou Berlim em relação a Alemanha. Quando algo acontecia em Los Angeles, não importava à Nova York. Isso foi o que os próprios estudantes admitiram para Antonioni (8).

Alberto Moravia perguntou certa vez qual a opinião de Antonioni a respeito da informação de que na América do norte, não existe classes, mas raças. Antonioni disse que lá tudo é dividido enquanto pode ser dividido: existem raças, sub-raças e assim por diante, classes, subclasses e assim por diante. Essa mania de desigualdade (ou diferença...), afirmou o cineasta, persiste numa democracia que deveria funcionar como um equalizador. “Por exemplo, existem essas recepções onde, por falta de outro critério, apenas pessoas como um rendimento maior que cem mil dólares são convidadas” (9).

Antonioni oscila entre
afirmar que o foco de seu
filme é aquele país, ou que
o filme é sobre o sentimento de dois jovens. Então admite que exista um contexto em torno dos personagens (10)

A Crítica

“Eu nunca
penso no
público
.
Eu penso
no filme”


Michelangelo
Antonioni (11)

Peter Brunette engrossa o coro dos que não gostaram do filme. Segundo seu ponto de vista, a coisa toda é “pouco aceitável”. O retrato da juventude é pouco crítico e a suposta inocência daqueles jovens é apresentada de forma ingênua. Sam Rohdie caracteriza a recepção da crítica norte-americana em relação à Zabriskie Point como adjetivos como: cruel, estúpida, incompreensível, insultante, vulgar. Seymor Chatman chegou a dizer que nenhum norte-americano verdadeiro gostaria do filme. O crítico italiano Goffredo Fofi chamou o filme de “megalomania” e disse que Antonioni sempre falha quando tenta uma “grande visão histórica-filosófica-sociológica” (12).

Antonioni não compreendeu porque o público norte-americano interpretou o filme como antiamericano. Ele disse que talvez a tradição de pensamento pragmático naquele país levou as pessoas a não perceber a diferença entre o que é ficcional e o que é verdade no filme. A parte o fato de que exista alguma ambigüidade, que Antonioni admite, entre esses dois pontos extremos, os norte-americanos não estariam tão abertos a perceber o entrelaçamento e interação entre os níveis imaginário e real.

De acordo com Marsha Kinder, Zabriskie Point dá a impressão de sugerir que o mundo da imaginação está em oposição e vence outro mundo, que é chato, trivial, vulgar, e uma realidade violenta. É claro que o público daquele país poderia não estar disposto a receber uma censura moral de um estrangeiro. Antonioni concorda, mas insiste que este é apenas um aspecto do filme. “o eixo mais importante do filme”, repete Antonioni, “é a justaposição da realidade e da imaginação” (13).


De modo geral, os comentários sobre a crítica a respeito de Zabriskie Point enfatizam o lado negativo. Mas Aldo Tassone sugere que não foi bem assim, algumas vozes se levantariam e admitiriam surpresa por um estrangeiro conseguir enxergar tantas contradições na sociedade norte-americana com apenas um golpe de vista (14). Não é difícil entender que os norte-americanos tenham denegrido um filme que os julgava. Seja como for, é muito fácil para qualquer um de nós apontarmos filmes norte-americanos que reproduzem imagens equivocadas e/ou estereotipadas de povos de todas as partes do mundo. É curioso que não haja um mea culpa deles em relação a isso. Na Itália, Alberto Moravia disse que...

“Nem Sem Destino [Easy Rider, direção de Dennis Hopper, 1969], nem nenhum filme europeu sobre os Estados Unidos, nunca tinha proposto a hipótese, nova e incômoda, de que um furação ‘moralista’ poderia um dia destruir essa soberba Babilônia dos tempos modernos que é os Estados Unidos. Zabriskie Point é afinal de contas uma profecia de tipo bíblico em forma de filme” (15)

“Existe uma tendência
ideológica (consciente ou inconsciente) na indústria
de cinema norte-americana?
Quero dizer: existe uma
barreira conformista?
Se existe? E Como!”



Michelangelo Antonioni
responde a pergunta de
Alberto Moravia em 1968 (16)

Notas:

1. RUBEO, Ugo. A Constant Renewal. Entrevista de Antonioni em 1987 in ANTONIONI, Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 1996. P. 321.
2. MORAVIA, Alberto. The American Desert. Entrevista de Antonioni em agosto de 1968 in ANTONIONI, Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 1996. P. 298.
3. TASSONE, Aldo. Antonioni. Paris: Flammarion, 2007. P. 49.
4. RUBEO, Ugo. OP. Cit., p. 320-1.
5. TASSONE, Aldo. Op. Cit., p. 50.
6. KINDER, Marsha. Zabriskie Point. Entrevista de Antonioni no verão 1968-9 para Sigh & Sound in Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 1996. Pp. 309-10.
7. Comentário de Antonioni em 1968 referindo-se a seu próximo filme in TASSONE, Aldo. Op. Cit., p. P. 284.
8. Idem, p. 305.
9. MORAVIA, Alberto. Op. Cit., p. 300.
10. KINDER, Marsha. OP. Cit., p. 305.
11. ANTONIONI, Michelangelo. Let’s Talk About Zabriskie Point. In ANTONIONI, Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 1996. P. 102.
12. BRUNETTE, Peter. The Films of Antonioni. New York: Cambridge University Press, 1998. Pp. 23 e 158n40.
13. KINDER, Marsha. OP. Cit., pp. 320-1.
14. TASSONE, Aldo. Op. Cit., pp. 50-1.
15. Idem, p. 51.
16. MORAVIA, Alberto. Op. Cit., p. 301.


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