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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

14 de nov. de 2009

A Classe Operária Vai ao Paraíso


“O  indivíduo
trabalha para comer
.
[...] A comida desce e aqui
tem  uma  máquina  que
amassa. [...] O indivíduo é
como uma fábrica! [...]
Fábrica de
merda!”
 

Lulu Massa

 

Um Homem da Massa

Em 1971, a Itália finalmente começava a atingir um padrão industrial almejado desde os primeiros dias do pós-guerra. Em Rocco e Seus Irmãos (Rocco e i Suoi Fratelli, 1960), Luchino Visconti mostrou uma família pobre do sul da Itália se mudando para o norte em busca de melhores oportunidades de trabalho. No final, quem parece se dar melhor é o filho que arruma emprego numa montadora de automóveis. As lutas políticas na Itália dessa época também eram intensas. A Guerra Fria estava em seu ápice e havia uma polarização entre capitalismo e comunismo que não deixava muita margem para a reflexão.

Mas estamos aqui para falar de outro trabalhador, Lulu Massa é um operário de alta produtividade, ele irrita seus companheiros porque seu desempenho é utilizado pela empresa como padrão que deve ser seguido por todos. Num dos primeiros diálogos do filme, com sua esposa, Massa diz que está em seu cérebro e o descreve como uma máquina de precisão. Compreende-se então seu olhar confuso quando visita seu amigo Militina, paciente do manicômio, que lhe fala dos perigos que rondam o cérebro na sociedade atual. (abaixo, um Lulu sem libido sexual se entrega a programação da tv)




Certo dia, Massa perde a concentração e um dedo. A partir daí, começa a perceber o grau de alienação de sua condição. De funcionário modelo, passa a ativista sindical. No final, com a vitória do sindicato numa greve, Massa volta ao trabalho na fábrica – o mesmo lugar responsável por sua alienação; talvez aqui vá uma crítica de Petri à forma como os sindicatos italianos estavam lidando com as condições de trabalho nas fábricas (1). Talvez a definitiva reviravolta no personagem de Lulu Massa seja seu discurso na fábrica.

Diante de uma reunião de operários para um indicativo de greve, ele desabafa que seria melhor que eles pudessem trazer suas esposas para a linha de montagem. Assim, elas poderiam cozinhar e despejar a comida na boca dos operários e assim a linha de montagem não sofreria atrasos. Retrato de uma época, hoje em dia o problema dos operários seria automatização da linha de montagem, que elimina completamente a necessidade de sua existência. (abaixo, Lulu procura resistir aos apelos do mundo externo, seu mundo interior começou a ser demolido com a perda do dedo)




Lulu Massa é o protagonista de A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia va in Paradiso, 1971), onde o cineasta Elio Petri desce aos porões da psicologia das massas – muito convenientemente, Massa é o sobrenome do próprio protagonista. O que poderia fazer um operário exemplar (Lulu Massa), que só tem olhos para o trabalho, mudar completamente de opinião a respeito de sua condição? Petri mostra como esse operário só era eficaz na medida direta de seu grau de alienação em relação ao contexto no qual vivia.

Acompanhamos o padrão de trabalho de Massa, ele move as peças de metal como se fosse um impulso sexual estereotipado e frustrado – “e penso na bunda da Adalgisa. Uma peça, uma bunda, uma peça, uma bunda”. Quando Massa é examinado pelo psicólogo da fábrica, observa Peter Bondanella, o doutor procura reduzir as neuroses do operário a uma disfunção sexual, que a companhia vai tratar. A fábrica está interessada apenas em manter a produção. Evidentemente que as raízes verdadeiras da doença de Massa no próprio sistema da fábrica devem ser mantidas intactas. Petri mostra claramente, não é preciso muito para se concluir que a fonte da neurose daquele trabalhador são as condições brutais da sistematização do trabalho pela própria fábrica.

Cada Um No Seu Paraíso  


Cada povo tem o governo que merece

Ditado popular


A situação da Itália entre 1968 e 1970 era caótica, a agitação estudantil campeava. Violência policial e o terrorismo das Brigadas Vermelhas e outros grupos explodiam bombas aqui e ali. Seqüestro e morte do Primeiro Ministro Aldo Moro em 1978. O Milagre Econômico italiano da década de 60 do século 20 repentinamente freia no começo dos anos 70: inflação, baixa produtividade, competição externa e o embargo de petróleo pelos países árabes em 1973.

O enfraquecimento da confiança da população no governo, na burocracia em geral, nos militares, nos partidos políticos e nos sindicatos, em conseqüência de sucessivos escândalos que alcançavam os mais altos escalões da classe governante italiana – é curioso como poderíamos estar nos referindo a certos países latino-americanos. O cinema italiano também estava em crise, pois o padrão do entretenimento popular estava sendo invadido pela televisão – além disso, o número de cinema diminuía a cada dia (2). Elio Petri (1929-1982) foi um dos expoentes do chamado cinema político italiano. Um cinema que procurou capturar as contradições da sociedade italiana, especialmente após 1968. Esse foi o contexto italiano onde nasceu A Classe Operária Vai ao Paraíso.

Desde o começo do filme, percebemos como Massa olha fixamente os objetos de sua casa. Os muitos relógios despertadores que ele se pergunta para quê, eletrodomésticos, vasos e flores de plástico. Às vezes faz as contas para definir “quanto significam” aquelas coisas. Massa abre uma porta e encontra mais objetos. “Museu”, ele diz, e logo a seguir um cartaz na parede mostra Stalin, o ditador soviético - talvez uma referência autobiográfica de Elio Petri, comunista convicto que abandonou o Partido quando a União Soviética invadiu a Hungria em 1956 (3).

Digno de nota é o momento em que Massa se enfurece ao pisar num boneco inflável do Tio Patinhas carregando um saco escrito “dinheiro”. Pega o boneco pelo pescoço e tenta enforcá-lo, em seguida encosta o cigarro acesso no olho do Tio Patinhas e fura a coisa. Em seguida esmurra a cabeça do boneco até afundar – note que na cabeça o Tio Patinhas estava com sua cartola preta com um cifrão de dólar desenhado em fundo vermelho. O fundo vermelho pode ser casual, mas pode também ser uma alusão ao relacionamento espúrio dos sindicatos italianos com o poder. Enquanto esmurrava o Tio Patinhas, um Massa desnorteado perguntava ao boneco se o objetivo dele controlar sua vida.




Na cena final, envolvidos pelo ambiente ensurdecedor da linha de montagem, Massa está com os companheiros e conta uma estória. Fala de um sonho que teve, ele tinha morrido e era incentivado por Militina (seu amigo do manicômio) a botar abaixo os muros que separavam todos eles do Paraíso. Derrubado o muro, havia um nevoeiro e depois foram aparecendo os trabalhadores. De acordo com Peter Bondanella, Elio Petri só acreditava na possibilidade da classe operária alcançar o Paraíso caso conseguisse destruir o muro (o capitalismo industrial) que os separa do seu sonho de um trabalho não-alienado.


1. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed, 2008 [1983]. Pp. 336-7.
2. Idem, pp. 318-9.
3. PRUDENZI, Angela; RESEGOTTI, Elisa. Cinema Político Italiano. Anos 60 e 70. São Paulo: Cosac & Naify, 2006. P. 100.


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