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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

25 de nov. de 2011

O Peplum e a Indústria do Espetáculo



Considerados
entretenimento
de massa
, os épicos
histórico
-mitológicos
eram desprezados pelos
críticos de cinema da
terra de Rossellini
,
Fellini, Pasolini
e Antonioni


Pão e Circo nas Telonas

As origens do Peplum são encontradas já no começo do cinema italiano. Ainda mudo, o cinema da península começa a realizar adaptações de obras literárias de caráter histórico, assim como utilizar como fonte textos que se caracterizam por articular mitologia e história. Desde essa época, o Império Romano (ou a nostalgia dos italianos em relação a ele) se consolidou como uma importante fonte de inspiração. Devido a sua articulação com o viés de entretenimento da indústria do cinema, o Peplum sempre se caracterizou como um gênero de cinema popular. Para Michèle Lagny, seja lá o que mais essa expressão possa caracterizar, “cinema popular” não se refere a filmes feitos “pelo povo”. A maioria de nós nunca alcançará condições para realizá-los, e Lagny insiste nisso mesmo com o advento dos filmes caseiros. Em seu enfoque antropológico do Peplum, ela está mais interessada em saber de que forma os filmes retratam práticas culturais consideradas anteriores e/ou exteriores à mídia de massa. O Peplum recicla elementos da cultura clássica, propagando o mito de um “espaço e tempo europeus” como sendo a raiz da democracia, tendendo a tornar linear um processo de constante construção e reconstrução históricas muito mais complexo (1). Pelo menos por algum tempo (porque a moda do Peplum não durou para sempre), esse tipo de filme devolveu ao “povo” uma imagem que pareceu satisfazê-lo – já que a excelente bilheteria é o elemento considerado básico para o “cinema popular” determinar se (e por quanto tempo) ele se mantém popular.


Steve
Reeves foi o
ator e fisiculturista
norte
-americano que
substituiu o ator italiano
Bartolomeo Pagano na

“função”de homem
musculoso nos

pepluns


Na Europa, o Peplum sempre foi considerado um gênero menor. Considerado “entretenimento de massa” e direcionado a uma platéia de baixa escolaridade e/ou gosto pouco refinado. Contudo, ainda que desprezado por historiadores e críticos, uma breve análise mostra que o enredo de tais filmes se baseia em elementos das humanidades clássicas e numa cultura refinada. Tomadas no sentido mais amplo de “espetáculos mítico-históricos”, os pepluns surgiram como gênero durante o cinema mudo italiano e logo seria adotado por Hollywood. Além desse início, existiu uma segunda era dourada entre o final dos anos 40 os 60 do século passado, sendo substituídos pela próxima moda do cinema de entretenimento: o faroeste espaguete. Lagny elabora uma pequena lista de características do Peplum a partir de um clássico de bilheteria do gênero, O Gigante da Maratona (La Bataglia di Marathona, direção Jacques Tourneur e Mario Bava, 1959) (todas as imagens são deste filme). Contemporâneo de A Doce Vida (La Dolce Vita, direção Federico Fellini, 1960), esse filme é, tipicamente, uma co-produção (franco-italiana): Touneur trabalhava em Hollywood, Bava era italiano, Steve Reeves foi o protagonista norte-americano, e contracenou com franceses e italianos (2).

Clareza Temática



A narrativa tem
a mesma estrutura
dos contos de fadas
,
segue investindo em
contrastes por sua
função didática



Em O Gigante da Maratona, a glorificação do esporte é o tema mais óbvio – durante os créditos iniciais já encontramos o herói do filme alcançando vitórias nos Jogos Olímpicos. Outros temas são o jogo limpo (fair play), reconhecimento do valor do rival, a glorificação do povo (o herói é de origem humilde e sincero) e a virilidade (combinando sabedoria e força, embora reconheça a primazia do amor). Filipides o herói, papel protagonizado pelo fisiculturista que virou ator Steve Reeves, que ama Andrômeda e vai salvar a cidade de Atenas do inimigo externo (os persas) e do interno (os corruptos). Filipides tem aliados entre as personagens femininas e os seres da natureza. Num plano genérico, Lagny destacou como conexão do filme com a sociedade dos anos 60 a importância do cidadão na defesa da democracia - num plano mais específico, é bom lembrar que em 1960 a cidade italiana de Roma sediou as Olimpíadas. Do ponto de vista histórico-geográfico, Lagny aponta as imprecisões de sempre no Peplum, mas insiste que o objetivo do filme foi apenas condensar uma dimensão épica. Lagny cita a hipótese de Claude Aziza, sugerindo que as técnicas de montagem no Peplum operam de forma similar às práticas da pesquisa histórica tradicional – onde adições e condensações são realizadas com o objetivo de enfatizar uma “moral”.



A união entre
a sabedoria e a força

física é uma dualidade recorrente no discurso
militar em geral




Depois que o herói é apresentado (durante os créditos iniciais), três seqüências fornecem os elementos necessários para o desenvolvimento da narrativa: 1) a popularidade do vencedor das Olimpíadas causa ciúmes no traidor Teócrito e perplexidade em Creuso, um dos líderes políticos; 2) os prêmios em jogo: uma jovem e pura Andrômeda (noiva de Teócrito e filha de Creuso) e a cidade de Atenas (Teócrito está do lado de Hippias, um tirano exilado); 3) o encontro de Andrômeda e Filipides, que muda radicalmente a situação. Resumindo: a ordem inicial (a democracia ateniense dá boas vindas ao sábio vencedor), a ameaça (as ambições de Teócrito) e o objeto da busca (a jovem mulher, cuja liberdade ameaçada simboliza a fragilidade da democracia ateniense). Antagonismos entre personagens bons e maus são bem marcados para que ninguém se perca durante o desenvolvimento da trama, observa Lagny com certa ironia: o cavalo do herói é branco, assim como o cabelo de Andrômeda é louro (Teócrito convence Filipides que Andrômeda não o ama e conspira contra a democracia), assim como a cortesã Karis (que tenta corromper Filipides) tem cabelo escuro.

O Corpo e o Espetáculo


Apesar da
censura atuante na
época
, o Peplum mostrava
bastante os corpos másculos
.
Ainda que provavelmente por
motivos financeiros
, o apelo
erótico
, e homoerótico,
é evidente


De modo geral, e particularmente em O Gigante da Maratona, o físico masculino é bastante valorizado. Desde os créditos iniciais nos será mostrado o tórax musculoso de Reeves. A força viril, expressão de Michèle Lagny, é um dos temas dominantes no Peplum. Contudo, geralmente é acompanhada de uma postura defensiva: Hércules, um dos heróis favoritos dos pepluns italianos, luta, como Filipides, apenas quando for estritamente necessário ou inevitável – como acontece em Hercules Unchainned (Ercole e la Regina di Lidia, direção, 1959), onde o herói (também na pele de Reeves) adia tanto quanto possível o confronto com Anteo. De qualquer forma, Eros passa melhor nos pepluns com os atributos masculinos – outra expressão de Lagny, que, entretanto, afirma que a raramente os heróis podem ser considerados belos. A ênfase dos cineastas recaia diretamente sobre a musculatura dos atores - Reeves fora Senhor Músculo e Senhor Universo, ele já foi descrito como um Apolo. Apesar disso, Reeves tentou não ficar marcado como um ator de tipo e recusou o papel de Hércules no próximo filme. Foi substituído por outro musculoso elogiado por seus atributos físicos, Mark Forest, que estrelou A Vingança de Hércules (La Vendetta di Ercole, 1960). Dois outros homens-músculos que substituíram Reeves foram Reg Park, em Hércules na Conquista de Atlântida (Ercole alla Conquista di Atlatide, direção Vittorio Cottafavi, 1961) e Mickey Hargitay, em Os Amores de Hércules (Gli Amori di Ercole, direção Carlo L. Bragaglia, 1960).


Havia autocensura dos
cineastas quanto a mostrar
o resultado das lutas
. Porém,
já no caso de
sadismo, sexo e
homossexualidade
, a censura
oficial obrigava que isso fosse
apenas sugerido
. Como outros
filmes com os mesmos temas,
o Peplum já foi chamado de
“psicanálise dos pobres”
(3)



Violência, tortura e força física são marcas registradas do Peplum. Entretanto, os corpos agredidos e machucados não aparecem muito – aliás, como sempre. Lagny sugere que talvez exista uma função catártica nessa violência excessiva. Nessa espetacularização generalizada do confronto de virilidades, além da violência o erotismo (elementos temáticos compulsórios do Peplum) parece carregar uma função catártica também. É muito freqüente que esses filmes se percam em seqüências intermináveis de danças exóticas, exibições de força, lutas em arenas, corridas de bigas e desfiles de vitórias militares. Segundo Lagny, muitas vezes um elemento sádico parece excitar as incontáveis cenas onde gladiadores submetem suas vítimas aos caprichos brutais de uma grande platéia. Por outro lado, a questão da mulher no Peplum geralmente está mais direcionada a uma luta pelo poder (uma guerra dos sexos) – aliás, como sempre. Encontramos tanto as mulheres fatiais quanto as mulheres “diurnas” (domesticadas). Lagny observa que, em O Gigante de Maratona, Andrômeda chega a admitir uma aura solar (quando conduz a charrete), mas logo esse fogo apaga. O mesmo pode ser dito de todas as outras esposas e noivas: não há espaço no Peplum para o amor cortes e a paixão wagneriana. Muito embora a própria Lagny sugira que um pouco de humor pode ser mais didático. Como Hércules em Hércules na Conquista de Atlântida, um cara obcecado pela idéia de ter um lar, uma família e crianças.

Embora a corrida
de Filipides (mensageiro
conhecido na Antiguidade)
entre Atenas e Esparta tenha
sido atestada por Heródoto em
V a.C. e Plínio o velho em I d.C., há
controvérsias e talvez o corredor da
Maratona tenha sido inventado
por Plutarco. A condensação de
ambos foi realizada um século
mais tarde, por Lucian
de Samosata
(4)

Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
O Marcello de Mastroianni
Casanova de Fellini e o Infantilismo Italiano
A Bela e o Desejo de Buñuel
Judy Chicago e sua Festa do Jantar

1. DYER, Richard; VINCENDEAU, Ginette (orgs.). Popular Europeian Cinema. London/New York: Routledge, 1992. Pp.3, 6.
2. LAGNY, Michèle. Popular Taste. The Peplum. In: DYER, Richard; VINCENDEAU, Ginette (orgs.). Op. Cit., pp. 163-179.
3. Idem, p. 172.
4. Ibidem, p. 179.

Sugestão de Leitura

As Mulheres de Federico Fellini (I)

“A vida é sonho” Muitas são as mães, as prostitutas, as esposas, as freiras, as tias, as irmãs e as primas - por vezes muito reais, ...

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