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Roberto Acioli de Oliveira

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20 de dez. de 2008

Bertolucci no Mundo da Lua




“Buscando pela primeira lembrança que tenho de minha mãe, o que me veio à mente foi uma imagem do tempo em que tinha dois ou três anos: Eu estava sentado na cesta pregada ao guidão de uma bicicleta; estava de costas para a estrada e de frente para minha mãe, que dirigia. Eu olho para minha mãe e vejo seu rosto; atrás dela eu vejo a lua. Eu confundi o rosto muito jovem de minha mãe com o rosto muito velho da lua. Esta primeira memória era muito misteriosa. Quando ela veio a mim não consegui compreender o significado... [...] Perguntei a mim mesmo por que tive precisamente esta lembrança. Então filmei La Luna em parte para tentar compreender essa associação entre o rosto de minha mãe e o rosto da lua. Preciso dizer que, após concluir o filme, essa lembrança estava até mais misteriosa” (1)

Bernardo Bertolucci


Sinopse (2)

Caterina é uma cantora lírica de sucesso. Entretanto, sua vida privada está em ruínas: Douglas, seu marido, morre repentinamente na véspera da partida dela para uma turnê na Itália. Joe, o filho de quinze anos que ela teve em razão de uma ligação amorosa no passado com um italiano, é viciado em heroína. Segue com sua mãe para Roma, mas não se adapta ao novo ambiente. Quando Caterina descobre o vício do filho, tem uma brigam violentamente. Tapas e xingamentos são seguidos de uma relação incestuosa. (na imagem acima, quase não enxergamos a lua acima da cabeça de Caterina. Opção estética de Bertolucci ou limitação da cópia em dvd?)


Caterina deixa o filho na frente de uma escola e o incentiva a entrar. Joe está agora numa sala onde um professor chamado Giuseppe está dando uma aula de arte. Joe segue o professor até sua casa e descobre que ele é seu pai. Furioso, o rapaz conta a Giuseppe que o filho que ele abandonou morreu de overdose de drogas. Giuseppe descobre a verdade nas Termas de Caracalla, onde Caterina está ensaiando. Segue-se a reunião de mãe, pai e filho. (imagem ao lado, a maça mordida, um dos tantos detalhes que passam despercebidos na seqüência inicial de La Luna, antes dos créditos. Limitações da cópia em dvd?)



De Lua Virada

Como em vários de seus filmes, em La Luna (A Lua, 1979) (3) Bertolucci volta à cena primordial quando, de acordo com Sigmund Freud, nós vimos ou imaginamos ver nossos pais fazendo sexo (e interpretamos o episódio como um evento violento). Este também não é o primeiro filme do cineasta a abordar o incesto. Em Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei, 1969), dirigido por Luchino Visconti e Sopro no Coração (Le Souffle du Coeur, 1971), sob a batuta do francês Louis Malle, temos exemplos de relações incestuosas. (imagem ao lado, Joe brinca com o mel; abaixo, a criança engasga com o mel oferecido pela mãe)



Entretanto, La Luna é o primeiro filme onde o incesto não é fruto de uma degeneração mental. Bertolucci pensou na Tragédia Grega. Caterina e Joe estão em perfeito estado durante seus dois encontros sexuais incompletos e jogos de ciúme e raiva (4). Em Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, 1964), Bertolucci criou uma situação de incesto entre tia e sobrinho. Em O Conformista (Il Conformista, 1970), na cena em que Marcello espiona Giulia e Lina num encontro erótico, o cineasta vê uma relação com a cena primordial ou primitiva. Em La Luna, Bertolucci apresenta um catálogo de cenas primais.



Seqüência Inicial

Bertolucci utiliza até mesmo os créditos iniciais do filme para ilustra a lembrança de infância com sua mãe. Antes disso, temos uma introdução que dura em torno de quatro minutos e meio. Em seguida os créditos, e então começa o filme, com Joe já adolescente. Nas imagens durante os créditos, o rosto de Caterina está pensativo. O azul do mar mediterrâneo parece irreal e suspenso entre o dialogo silencioso entre mãe e filho e o silêncio da lua, que aparece intermitentemente, entre as várias cenas de trocas de olhares entre os dois. É como se a imagem da lua fizesse o papel de intervalo entre as frases mudas dos dois.



Na seqüência inicial, Joe tem tudo à mão: liberdade, brinquedos e a total atenção de sua mãe. Até que Giuseppe rouba a atenção dela. Mesmo antes dessa chegada, algo já havia saído errado. Caterina acabou fazendo o bebê engasgar com mel. Esta seqüência inicial funciona como uma cena primordial. Primeiro porque abre o filme. Em segundo lugar, por seu conteúdo. Quanto ao mel, Bertolucci chamou seu filme de "mielodrama" (em italiano, mieli = mel): “Mel, como amor materno, é doce demais, tão doce que sufoca a criança. Aos quinze [Joe substituirá] metaforicamente esse mel, esse afeto materno” (5).



Existem também elementos de violência nesta seqüência. Embora Joe não assista nenhum ato sexual entre os pais, vê uma faca cortando um peixe trazido por Giuseppe, ouve também alguns gritos de susto de Caterina enquanto ela dança twist com Giuseppe sobre uma mureta com o abismo do mediterrâneo atrás dela. Ao contrário da seqüência durante os créditos iniciais do filme, aqui temos a luz do sol. A cena idílica esconde alguns conflitos. Quando Caterina põe o disco de twist, ela interrompe a mãe de Giuseppe, que estava tocando piano. (imagem ao lado, a única referência à Giuseppe no início são seus pés)



Escutamos também o choro de Joe que, emaranhado num novelo de lã como numa teia, corre em direção à avó (já que a mãe está fixada em Giuseppe) (imagem ao lado). Então Giuseppe estripa um peixe com a faca. Anos depois, quando Joe volta procurando seu pai e segue para o mesmo terraço, ele olha para um novelo de lã. A mãe de Giuseppe, sua avó, percebe o que está acontecendo mais rapidamente que seu filho, ela deixa o local arrastando fios de lã pelos pés. “O simbolismo é evidente: ela não quer que o passado retorne [e se interponha entre ela e seu filho]. Mas o passado é mais forte do que seu desejo” (6).



A Vida: Um Programa de Tv em Chinês sem Legendas

Em seguida a seqüência inicial, passamos para a adolescência de Joe. Estamos na mesa de refeições do apartamento de Nova York, Joe, agora com quinze anos, sua mãe e Douglas (que não é seu pai verdadeiro) se entreolham. Os laços entre os protagonistas de La Luna seguem um padrão, entre as duas cenas anteriores (antes dos créditos iniciais e durante os créditos) existem laços invisíveis. Nas palavras do próprio Bertolucci, os laços movem, puxam e torturam os personagens. Entre as duas cenas anteriores desenvolve-se um antagonismo entre mito e imitação em torno de questões freudianas.



Isso fica evidente quando, no apartamento, a comunicação é difícil, bem diferente da cena inicial (e principalmente da seqüência durante os créditos iniciais). É Douglas quem resume essa cena conflituosa, mostrando ao mesmo tempo seu desejo de comunicar, seu medo de se expor ao fazer isso e sua reação à ameaça representada por Caterina e Joe. Douglas conta para ela que teve um sonho, mas não revela seu conteúdo. Então comenta com Joe que assistiu um programa de tv chinês com legendas em chinês. Primeiro Douglas aceita ficar com Joe em Nova York (Caterina vai para a turnê na Itália), depois diz que vai embora.



Não apenas Douglas abandona Joe, como o machuca com um jogo de palavras. Com o programa em chinês com legendas em chinês, Douglas está enigmático. Recusa a comunicação para se proteger da verdade. É como se ele tivesse uma premonição de sua morte iminente. Além disso, seu medo e ressentimento em relação à Joe, que tomará seu lugar ao lado de Caterina, motiva seu comportamento desagradável. (imagem ao lado, a mãe de Giuseppe ao piano, segundos antes de pegar Joe no colo. Ele chora, sua mãe dança com Giuseppe e ele fica sozinho. A imagem acima mostra Joe já embolado no fio de lã)



Como a lembrança de infância de Bertolucci, o sonho de Douglas continua um mistério. “Nesta seqüência [do filme] todos são desagradáveis enganadores: Douglas por atrair e afastar Joe. [Ele] por tentar tomar o lugar de Douglas ao lado de Caterina (‘Eu posso fazer melhor’). E Caterina por fingir estar interessada no sonho de seu marido e na saúde de seu filho, mas na realidade pensar exclusivamente em si mesma” (7). (imagem ao lado, os peixes que Giuseppe trouxe e que vai estripar. Na imagem abaixo, Joe olha atentamente o pai enquanto remove as entranhas do peixe e depois dança com sua mãe. Joe começa a chorar)


Édipo, Pé Grande

Laços de incomunicabilidade ligam os momentos enigmáticos da seqüência na mesa de refeição. Um prelúdio ao mito grego, mas aqui Édipo não mata o marido de sua mãe. Entretanto, Joe desperta a hostilidade de Douglas e a indiferença de Giuseppe (seu pai real, que nunca fez contato). Bertolucci re-encena a tragédia de Sófocles (Édipo Rei). Quando Joe chega à escola em Roma, onde Giuseppe dá uma aula de arte em que os alunos devem pintar um céu, um dos alunos chama Joe de piedone (pé grande em italiano). Em seguida é o próprio Giuseppe que chama Joe de piedone quando o convida para pintar.



Como Édipo, em grego, significa “pés inchados”, as implicações são evidentes. No funeral de Douglas, Joe está de tênis, em contraste com sua roupa formal. A câmera focaliza seus pés quando ele pisa na governanta para que ela pare de chorar. O tênis de Joe, enquanto ele anda, serpenteia ou dança parecem particularmente surrados, eles dão uma idéia de trabalho duro e fadiga, como se os pés que os gastaram tivessem lutado uma batalha para se libertar do cativeiro. (imagem ao lado, esta lua, esta montanha e esta estrada, elementos fortes na vida de Joe. Foi ali que Joe confundiu a lua com o rosto da mãe)



Aceitando o convite de Giuseppe, Joe pinta uma lua com três olhos. A ilustração lembra a cena inicial de La Luna, onde a lua como um grande olho, vigia acima de uma montanha (imagem ao lado, parece que ela segue/persegue Joe durante todo o filme). Esta imagem lembra a Claretta Tonetti o mito de Endymion, contado por Theocritus: “Endymion o pastor/Guarda seu rebanho/Ela, a Lua, Selena/O viu, o amou, o procurou/Vinda do céu/A uma clareira em Latmus/O beijou, deitou-se a seu lado”. Este mito tem algumas variantes, mas um núcleo que se mantém afirma um amor impossível:



“Ele nunca acordou para ver a forma prateada brilhante curvando-se sobre ele. Em todas as estórias sobre [Endymion] ele dorme para sempre, imortal, mas nunca consciente. Fantasticamente maravilhoso ele repousa na montanha [Latmus], imóvel e distante como se estivesse morto. Mas vivo e quente. E noite após noite a Lua o visita e o cobre com seus beijos” (8). A natureza particular desse amor deve continuar escondida, longe dos olhares. Selena (a lua, que simboliza Caterina e, consequentemente, a lembrança escondida da cena primal ou primordial) chamará Joe de vez em quando, que irá a seu encontro.



Como na cena em que ele está no cinema com sua amiga Arianna. Quando eles estão quase fazendo sexo, o teto do cinema se abre (estratégia comum na Itália antes do ar condicionado) (9) e a lua aparece (imagem acima, à direita). Joe olha fixamente para a lua e diz a Arianna que tem de ir embora. Dessa resposta inconsciente surge o impulso que leva Joe à heroína, numa resposta hostil a sua mãe. Durante a festa de aniversário de Joe, ele fica com raiva ai ver sua mãe dançando e se divertindo. Uma cena quase idêntica à seqüência inicial do filme, quando vimos Caterina largar o bebê Joe para ir dançar com Giuseppe. Neste momento, Joe começa a chorar e atravessa o pátio com alguns fios de lá enrolados em seus pés.

Homenagens e Citações: Pasolini e Visconti 

Bertolucci queria homenagear seu mentor, Pier Paolo Pasolini, em La Luna. Inicialmente, pensou-se em colocar Joe no meio do funeral do poeta. Bertolucci estaria entre os que carregam o caixão e Sergio Citti, que havia dividido a autoria do roteiro de A Morte (La Commare Seca, 1962) com Bertolucci, colocaria o emblema oficial do Roma (o time de futebol) no ataúde de Pasolini. Esta cena foi substituída. Num bar, Joe assiste ao funeral pela televisão. No final o que sobrou da seqüência mostra Joe no bar aceitando um sorvete oferecido por um homossexual e depois dançando com ele de rosto colado.



O homossexual é interpretado por Franco Citti (irmão de Sergio), que atuara em vários filmes de Pasolini: como Vittorio em Accattone (1961), Carmine em Mamma Roma (1962), Édipo em Édipo Rei (1967) (imagem ao lado), um canibal em Pocilga (Porcile, 1969), Ciapelletto em Decameron (Il Decameron, 1971), o demônio em Contos de Canterbury (I Racconti di Canterbury, 1972), novamente o demônio em As Mil e Uma Noites (Il Fiore delle Mille e Une Notte, 1974). E assim, “pé grande” encontra “Édipo” num bar em Roma. Uma cidade agora sem tradição, suspensa por fios invisíveis, em algum ponto entre o sul da Itália e o norte da África.



Daí os muitos coqueiros, símbolos fálicos, jardins, terraços escondidos e pirâmides nos panoramas de Bertolucci. Esse clima oriental leva Joe a buscar o amor dos pais mais ao sul, sob o brilho do sol. Em seu Édipo Rei, Pasolini preferiu o Marrocos à Grécia – berço original da “Tragédia Grega”. Para joe, Roma também é uma terra de exílio, ele não parece interessado em fazer nenhum esforço para aprender italiano. Longe de sua terra, Nova York, e distante de Roma, Joe acaba encontrando a heroína nas mãos de Mustafá (10).


Caterina também está buscando, mas ela está olhando mais para o norte, para a cidade italiana de Parma. Ela procura uma resposta para os últimos acontecimentos de sua vida: numa questão de horas, descobriu o vício de seu filho, teve uma violenta briga física com ele, e depois fizeram sexo. Em Parma, ela reencontra um velho professor de música que mau a reconhece agora (imagem ao lado). Com essa seqüência do professor, Bertolucci homenageia Luchino Visconti. No close das mãos do velho professor, Bertolucci recorda a cena inicial de O Inocente (L'Innocente, 1976), filme dirigido por Visconti, em cuja cena ele filma as próprias mãos (imagem abaixo, folheando o livro).



“Quando Caterina reencontra Joe após a visita, ela o beija como uma amante o faria. Em seguida, ela pede a atenção sexual dele de forma bastante explícita. A sedução de seu filho não parece deixá-la com remorsos. Esta é, verdadeiramente, uma Jocasta sem arrependimento, cujos pecados são facetas de seu completo ensimesmamento. Apenas uma vez ela inspira simpatia, quando em frente à Villa Verdi ela fala entusiasticamente a respeito do grande músico compondo música imortal naqueles quartos e pergunta a Joe se ele está interessado em ver o local. A resposta [indiferente] de Joe machuca Caterina. ‘Esta é minha vida’, ela responde, ‘estas são minhas raízes; você não se importa com nada’”. (11)

Enquanto Caterina tem um pai (Verdi), Joe perdeu o seu e perdeu até aquele que o adotou (12). É quando Caterina leva Joe até a escola onde Giuseppe trabalha. Joe desenha a lua com três olhos e segue o professor até sua casa. Na presença da mãe de Giuseppe, Joe comunica a ele que seu filho morreu de overdose.




Elementos Autobiográficos, Pais e Mães

Já se falou da seqüência inicial, com a lua atrás do rosto de Caterina. Na cópia que saiu no Brasil, a lua pode ser vista bem no topo da imagem, quase fora do quadro. Não tenho elementos para afirmar se está foi a intenção original de Bertolucci ou uma limitação da cópia distribuída entre nós (imagem no início do artigo) (13). O que temos mais claramente é a alternância entre o rosto de Caterina e a lua, cada uma aparecendo independentemente em seqüência. (imagem ao lado, Porta Ostiense, antigo Portão de São Paolo, nas muralhas de Aurélio em Roma. Em primeiro plano, a pirâmide de Gaius Cestius, datando de 12 d.C.)



A segunda referência autobiográfica é a visita de Caterina à casa do velho professor em Parma. Em seu Édipo Rei, Pasolini também havia criado seqüências autobiográficas, ele chegou a fazer Silvana Mangano, que interpretava Jocasta, usar um vestido da própria mãe dele. (imagens abaixo, à direita, com a chegada de Joe, a mãe de Giuseppe enrosca os pés nos fios de lã; à esquerda, Joe olha para os novelos de lã que estão na sua vida, e do lado de sua avó, desde o começo)


Em La Luna, Caterina não está sozinha no posto, a mãe de Giuseppe (embora apareça pouco) é como uma grande sombra nas vidas de todos. De acordo com Caterina, foi por causa da mãe que Giuseppe não assumiu a nova família (deixando Joe sem pai). Disse também que Giuseppe detestava a voz dela (uma cantora lírica), que era egoísta. De fato, quando Joe volta à casa na beira da praia em busca de seu pai e sai chorando, sua avó não parece preocupada. Muitas também são as figuras paternas: Douglas, Mustafá, o homossexual no bar, Billy Martin (do baseball de Nova York, que ninguém conhecia na Itália).



Segundo Bertolucci, “os passeios solitários de Joe pelas ruas de Roma são os momentos mais nítidos da busca dele pela figura paterna. Ele está procurando por alguém, e se ele fala sobre Billy Martin, é porque este homem representa uma das muitas figuras paternas”. As caminhadas de Joe levam a Giuseppe - como Cesare em Antes da Revolução, professor Quadri em O Conformista e Johnston em O Último Imperador (L’Ultimo Imperatore, 1987). E Giuseppe é um professor, o que, para Bertolucci é muito significativo. A fascinação de Bertolucci com esta profissão vem do caráter ambíguo dela segundo o cineasta.



É como ser pai e mãe sem realmente ser, é uma forma sublimada de parentesco. Giuseppe, que recusou assumir a paternidade de seu próprio filho, é encontrado pelo filho em sua tarefa de “pai adotivo” de 50 crianças. Bertolucci conclui que, “para Joe, essa imagem é angustiante: o garoto certamente experimentou uma violenta crise de ciúmes e sentiu hostilidade e raiva contra seu pai” (14). Sua resposta foi desenhar uma lua com três olhos e uma boca (imagem ao lado). A voz é de Joe (boca), os pontos de vista são dele, de Caterina e de Giuseppe (três olhos). A busca de Joe começa no sol e termina com uma lua tripla.



Agora Joe deixa claro que compreendeu que Giuseppe é seu pai. Além disso, ele se apossa tanto da mulher de Giuseppe (sua mãe Caterina) quanto da profissão de seu pai (professor) (na imagem ao lado, Caterina consola Joe embaixo do palco nas Termas de Caracalla, ele voltou em lágrimas do encontro que teve com seu verdadeiro pai na velha casa da praia onde tudo começou. Mas logo Giuseppe chegará ao ensaio também). Bertolucci resume afirmando que “Joe se torna o diretor da situação na qual ele se encontra. Enquanto escritor de roteiros, ele inventa que Joe morreu de overdose”. Tonetti conclui também:



“Contando mentiras e inventando sua própria morte, Joe pune Giuseppe e comete um suicídio sublimado que é o resultado de uma overdose de leite maternal. Joe também está dirigindo a reunião entre seu pai e sua mãe nas Termas de Caracalla, onde Caterina está ensaiando O Baile de Máscaras, de Verdi. O ciclo agora está se fechando, e os fios são ligados pela criança que chorou de medo quando viu seus pais dançando twist [na cena inicial], e que agora observa com satisfação a angústia de seu pai pela ‘morte’ de sua criança se transformar em raiva quando Caterina comenta que o filho dele está vivo e sentado em frente ao palco [a seu lado]. Por enquanto, a reunião de Caterina e Giuseppe diante dos olhos de Joe repete a cena primal. Quando Giuseppe dá um tapa na cara de Joe, a dor origina prazer, dando um sentimento de alívio e liberando a paz para os dois” (15).

Ao Prazer e Além
Em Além do Princípio do Prazer (1920), Sigmund Freud falou de uma criança brincando com um objeto amarrado num barbante. O jogo consistia em esconder o objeto, simulando sua perda, e em seguida puxar o barbante para reaparecer. A criança jogava objetos para longe, então saia para procurá-los. Segundo Bertolucci, o movimento de vai e vêm da câmera em La Luna reproduz essa situação. Quando ela vai para frente, expressa o movimento de aproximação do objeto do desejo e vice-versa. Da mesma forma, o conteúdo do filme também representaria o padrão repetitivo de se aproximar e afastar (16).



“Eu tenho que ir, tenho que ir”, é o que Joe diz a Arianna quando estão quase transando no cinema e a lua aparece quando o teto se abre. Da mesma forma, sua expressão é distante quando, dançando com o homossexual no bar, ele diz que está procurando alguém que não consegue encontrar. Acontece também depois de começar a transar a mãe. Joe se afasta e diz que ela não o ama, correndo para a heroína no quarto. Caterina também segue o padrão largar/pegar quando leva Joe para a escola onde Giuseppe está. Mas os dois voltam para ela no ensaio da ópera: agora os três olhos da lua focalizam a mesma realidade.



Nas Termas de Caracalla (imagem ao lado), durante o ensaio de O Baile de Máscaras, a arte imita a vida. A ópera encenada explica a cena que está acontecendo na platéia (entre Joe e Giuseppe) (17). Joe finalmente descobriu seu verdadeiro pai, mas embora seus pais não venham a se reunir (já que Giuseppe ama mais a própria mãe do que Caterina), as palavras cantadas por ela no palco (“ele está morrendo”) nos informam que Joe se tornou um adulto e que a criança morreu dentro dele. Giuseppe dá um tapa na cara de Joe, enquanto o cantor que contracena com Caterina canta “lasciatelo” (deixe-o) no palco.



Arianna, que está logo atrás de Giuseppe e Joe, olha para os dois e para o palco, como se estivesse percebendo a ligação entre a arte e a vida. O final do dia e do ensaio vão chegando, a lua sobe alta sobre as Termas.


Leia também:

Ettore Scola e o Milagre em Roma
Ettore Scola e o Filme Dentro do Filme
Mussolini e a Sombra de Auschwitz
Pasolini na Periferia da Lua
Fellini no Mundo da Lua

Notas:

1. TONETTI, Claretta Micheletti. Bernardo Bertolucci. The Cinema of Ambiguity. New York: Twayne Publishers, 1995. P. 174.
2. Idem, p. 171.
3. Normalmente, a partir do momento em que os filmes citados foram lançados no Brasil, coloco o título em português, seguido do título no idioma original entre parênteses. Neste caso, a inversão se deve ao fato de La Luna ter sido lançado em dvd no Brasil pela distribuidora Versátil Home Vídeo com seu título original.
4. TONETTI, Claretta Micheletti. Op. Cit., p. 172.
5. Idem, p. 175.
6. Ibidem, p. 176.
7. Ibidem, p. 177.
8. Ibidem, p. 178. Infelizmente, para aqueles que não compreendem minimamente o idioma italiano, no dvd (lançado no Brasil pela Versátil Home Vídeo, 2006) as legendas em português dizem que são dois olhos...
9. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York: Continuum, 3ª ed, 2008 [1983]. P. 315.
10. TONETTI, Claretta M. Op. Cit, p. 180.
11. Idem, p. 181.
12. BONDANELLA, Peter. Op. Cit., p. 316.
13. Lançada pela Versátil Home Vídeo, em 2006.
14. TONETTI, Claretta Micheletti. Op. Cit, p. 183.
15. Idem, p. 184.
16. Ibidem, p. 185.
17. BONDANELLA, Peter. Op. Cit., p. 317. 


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