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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

17 de dez. de 2009

A Realidade do Neo-Realismo



“Cineastas  que
rotulamos hoje como neo-

realistas foram parte crucial de
uma revolução mais geral no pós-
guerra  que  se  caracterizava   por
algumas perspectivas  filosóficas  e
estéticas,   todas   unidas  por  uma
aspiração comum de olhar a Itália
sem preconceitos e desenvolver
uma linguagem de cinema
mais honesta, ética, mas
não menos poética”

 


Peter Bondanella (1)


Tratamento realista dos temas, cenário popular, conteúdo social, atualidade histórica, compromisso político, utilização original de atores não profissionais, efeito documental na fotografia. Embora exista um consenso quanto a considerar o Neo-Realismo italiano no cinema do imediato pós-guerra como um momento crucial na evolução da sétima arte, há certa controvérsia quanto ao que ele representou. No que diz respeito à técnica de montagem, afirmou Andre Bazin, ele procura seguir o ritmo da realidade, distanciando-se da montagem como Sergei Eisenstein a concebia (2). (imagem acima, Glauber Rocha e Roberto Rossellini)

Nem mesmo os próprios cineastas identificados como neo-realistas concordavam em relação às características principais do Movimento. Cesare Zavattini, importante roteirista, defendia enredos elementares e até banais, além de enfatizar a necessidade de focalizar a duração “real” do tempo real. Por outro lado, embora cineastas como Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Federico Fellini simpatizassem com essa reverência em relação à vida diária (o que ele chamava de ”ilimitada verdade nas coisas, fatos e pessoas”), raramente, se tanto, eles identificaram suas intenções artísticas com o realismo tradicional.

Fellini declarou que o “Neo-Realismo é uma forma de olhar sem preconceitos a realidade, sem convenções entre ela e eu – encarando-a sem pré-concepções, olhando para ela honestamente – seja lá o que for a realidade, não apenas a realidade social, mas tudo que existe dentro de um homem”. Rossellini sugeriu que o realismo é “simplesmente a forma artística da verdade”. Como Fellini, ligava o Neo-Realismo mais à uma posição moral do que a técnicas ou posições ideológicas. De Sica afirmou que seu trabalho refletia “a realidade transposta para o reino da poesia” (3).

É um fato que existe uma tendência a identificar o Neo-Realismo em relação aos problemas sociais italianos, minimizando esse outro lado mais abstrato da vida. Que existe um comprometimento com os problemas sociais da Itália no pós-guerra é um fato. Entretanto, fazendo uma referência direta a dicotomia que já se anunciava desde o cinema mudo entre os documentários dos irmãos Lumières e as fantasias de Méliès, Rossellini insistiu que um filme deve respeitar duas tendências humanas diametralmente opostas:

“Aquela da concretude e aquela da imaginação. Hoje nós tendemos a brutalmente suprimir a segunda... Esquecendo a tendência imaginativa, como estava dizendo, tendemos a matar em nós cada sentimento de humanidade e criar um homem-robô que pensa de apenas uma forma e tende ao concreto” (4)

Considerando por este prima, compreende-se então a miopia dos críticos italianos de esquerda da época, que sistematicamente reprovavam alguns filmes e até diziam que outros não eram filmes Neo-Realistas, já que não abordavam os problemas sociais italianos à maneira do discurso do realismo socialista. Nunca houve um Manifesto que governasse o que foi mais uma tendência Neo-Realista do que um “Movimento”. Esses mesmos críticos diziam que o Neo-Realismo estava “em crise” na década de 50 do século passado, ou que os cineastas haviam “traído o movimento”. Tudo isso, sugere Bondanella, tinha mais a ver com desentendimentos ideológicos entre os próprios críticos.

O ponto básico entre “os neo-realistas” é que eles abordavam problemas reais, empregavam histórias atuais e focavam em personagens em que se podia acreditar, saídos freqüentemente do cotidiano da Itália. De fato, como lembra Bondanella, muitos desses filmes sublinhavam a relação entre ilusão e realidade, ficção e fato. Entretanto, além do fato de muitos que só atentavam para os detalhes de crítica social e rejeitavam ver seu país na tela, havia o fato de que os filmes neo-realistas eram considerados filmes “de arte” (5), restringindo ainda mais o público espectador italiano disposto a pagar para ver os filmes.

De acordo com Bondanella, dos 822 filmes produzidos na Itália entre 1945 e 1953, apenas 90 (em torno de 10%) poderiam ser chamados de neo-realistas. Portanto, afirma, é enganador identificar toda a produção italiana do imediato pós-guerra com o Neo-Realismo. Com a exceção de Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945), Paisà (1946), de Rossellini, Em Nome da Lei (In Nome della Legge, 1949), de Pietro Germi, e Arroz Amargo (Riso Amaro, 1949), de Giuseppe De Santis, mesmo as obras-primas do gênero não estavam entre os filmes mais distribuídos para os cinemas italianos, a maioria deles foi fracasso de bilheteria.

Notas:

1. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed, 2008 [1983]. P. 35.
2. Idem, p. 31.
3. Ibidem, p. 32. A ênfase na frase de Rossellini é minha.
4. Ibidem, p. 33.
5. Ibidem p, 36.


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